Nas minhas férias, em
andanças pelo interior de São Paulo e Minas, mais precisamente em cidades da
Serra da Mantiqueira, conheci lugares pitorescos, muito agradáveis e também
pessoas como o Sr. Zé Maria, um homem de uns 65 anos, romeiro, devoto fervoroso
de Nossa Senhora Aparecida. Nos encontramos na Pousada da Dona Sueli que recebe
centenas de romeiros a caminho de Aparecida e eventuais caminhantes e peregrinos,
como eu. Estávamos eu e o Sr Zé Maria na varanda da pousada, falando sobre os
caminhos que nos levaram até ali, sobre minha peregrinação solitária, sobre os
perigos que eu nem conhecia do caminho, como exemplo onças. Na verdade esse
assunto foi levantado por outro caboclo que estava ao nosso lado, me fugiu o
nome, mas que foi prontamente refutado pelo Sr. Zé Maria dizendo - Que onça que
nada, só se for essas mulheres feias por aí, parece tudo umas onças.
Passei bons momentos
ouvindo as histórias do Zé Maria, como sua indignação sobre o desvio na trilha
dos romeiros feito por um fazendeiro sem coração, que aumentou em duas horas e
meia o trajeto até ali. Também sobre como prometeu a um político que votaria
nele e para isso recebeu seu dinheiro. Com muito escárnio disse: Pergunta pra
mim se eu voltei nele, corja!!
Mas teve uma observação
do Zé Maria sobre um assunto que me fez refletir. Mais a frente de onde
estávamos havia um grupinho de jovens romeiros, falando muito alto,
gesticulando, rindo, bem divertidos. A voz de uma jovem do grupo se sobressaiu
e ouvimos claramente - Esse povo do mato se contenta com pouco! E deram muitas
risadas. Não sei qual foi o contexto que a frase foi proferida, mas de imediato
percebi que o Zé Maria se incomodou. Ele se virou para mim e mesmo já
sabendo a resposta disse – O senhor é de São Paulo não é? Acenei positivamente
com a cabeça e ele continuou - Sobre o que a moça aí falou, o senhor me
desculpe mas discordo. O seu pedido de desculpa não fez sentido e o encorajei a
dizer o que pensava e ele disse: - Acho que quem se contenta com pouco é o povo
da cidade, com pouco espaço para morar, pouca educação com os mais velhos,
pouco tempo pra tudo, pouco respeito com as coisas, pouca paciência, com pouca
vergonha na cara.
Nessa hora o Zé Maria
pensou ter extrapolado e se desculpou mais uma vez pela indelicadeza. Continuou
a história dizendo que morou muito tempo na cidade e que não ganhou nada
morando lá, nem cultura, nem dinheiro, nem mulher. Sua vida, segundo ele,
começou quando decidiu morar em Campo Belo/MG nos anos 80. Finalmente ele fez
uma pausa e eu entendi que era hora de falar. Não disse muito, só pude
concordar com o Sr. Zé Maria.
Todos os dias, a caminho
do trabalho lembro das frases do Zé Maria, quando estou preso no transito ou no
aperto do transporte público ou com a falta de educação da plebe. O verdadeiro
“povo do mato” é muito mais exigente que o mais urbano dos cidadãos, pois eles
exigem muita privacidade, muito respeito e muita qualidade de vida, e conseguem
isso sem precisarem de muito dinheiro.
Ouçamos o “povo do mato”.