.anitnelav

 
registro: 15/03/2007
"Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação."
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A socialização da ignorância

"Conduzi, como de praxe, mas a contragosto – também de praxe – uma turma de alunos a mais uma das palestras que ocorrem ao longo do semestre. Chegando lá havia mais uma penca deles, de outras turmas, levados por seus respectivos professores. O debate era com um publicitário que havia se tornado cineasta. E, por mais interessante que fosse o relato da experiência daquele publicitário, ao menos pra mim, algo me irritava sobremaneira naquele recinto. E estranhamente tem sido assim, apesar de economista interesso-me mais pela área deles do que muitos deles.

Indaguei-me o que levaria um sujeito em plena idade produtiva, onde tudo deveria ser novo e interessante, já que é a melhor fase para a aprendizagem, a passar os 50 minutos da palestra proseando, dando gargalhadas, lendo revistas, ou simplesmente dormindo. Será que aquele sujeito que havia emplacado um filme no circuito nacional não teria nada a acrescentar ao conhecimento daqueles jovens que o assistiam? Teria saído de outro estado, sem ganhar nada, apenas para passear na capital?

Tento entender o porquê do comportamento daqueles ouvintes. O sujeito pode já ser um especialista no tema o que torna desnecessário aquele conhecimento adicional – a tenra idade claramente não permitiria isso, apesar de a soberba ter abraçado alguns. Pode ainda não estar interessado, afinal nem todos os assuntos dentro de uma faculdade nos interessam, e ter sido obrigado a comparecer por causa da presença em pauta – são 18 faltas possíveis, perderia apenas duas delas. Não achei resposta plausível, ou melhor, achei uma. Portaram-se, e portam-se, corriqueiramente, como mal educados e desinteressados, pois palestra virou quase que uma balada, um rock. Não respeitam o indivíduo que está à sua frente; sequer se interessam pelo que ele tem a dizer. E isso pra um estudante é trágico, pois, ao contrário do que imaginam, ainda não são especialistas em coisa alguma. Nesse sentido, qualquer conhecimento adicional deveria ser bem vindo, ainda mais se na própria área. E se não se interessassem, é a segunda possibilidade, ainda assim deveriam demonstrar algo além da falta de interesse, educação, pois enquanto um ‘burro fala o outro abaixa a orelha’.

Não sei que diabo de geração é essa que estamos formando. A geração do Google, do ctrl C ctrl V. Alunos que se afogam na própria soberba, que acham que já conquistaram o mundo com toda a sua sapiência internética, que nada mais precisam aprender porque basta digitar sua dúvida no site de busca e “voilá!”, lá está a informação da qual precisam. Teorias da comunicação? Pra quê? É só digitar no Google e vem um resumão. Matemática?! “Nem pensar, não me serve de nada no dia-a-dia”. Cem anos de solidão? “Ah, muitas páginas, cansativo!”. Então, ”clique aqui e descubra, resumidamente, a maravilhosa saga dos Buendia”.

Esse tipo de aluno não aprende a pensar, quando muito repete o que ouve ou lê e, amiúde, repete mal porque até o português é deplorável. Foi-se o tempo em que conhecimento e cultura eram necessidades básicas. Hoje vale a lei do menor esforço, e o estudo resume-se a um grande fardo.

Não é possível que a minha geração na universidade tenha sido tão diferente. Tentávamos socializar o mínimo de conhecimento que adquiríamos de nossos professores. Era gostoso discutirmos as diversas interpretações que tínhamos dos vários autores; trocarmos informações sobre romances e contos que, apesar de antigos, nos eram novos. E fazíamos isso às vezes num domingo, sob as árvores do CCJE da UFES. Sim, domingo é dia de diversão, e isso para nós era também uma diversão. O mundo do conhecimento era completamente novo, e nos deliciávamos com ele.

Malandros na minha época?? Havia muitos, mas há algo de errado hoje. Havia mais respeito, interesse; hoje a única coisa que se socializa parece ser a ignorância, a repetição, e acima de tudo, a falta de educação. A música de massa deixou de ser algo criativo; sumiram as sincopes, as quialteras, os contratempos. Tudo se resume a compassos quadrados e acordes dó-mi-sol das músicas sertanejas, evangélicas, dos axés, ou do insuportável funk (esse ainda tem uns contratempos, o que não suaviza os tímpanos) etc. Nossos desejos oníricos eram nos transformarmos em um Chico Buarque, um Nelson Freire, Garcia Márquez, ou um Gérard Depardieu. Hoje sonha-se em ser Vitor e Léo, Cláudia Leite ou uma Tessália qualquer. E pra que estudo nesse caso? Pra que conhecimento? Irrelevante, até porque pra compor “chicleteee, oba oba!” não precisaríamos de um cérebro muito afortunado. Se Armandinho, Dodô e Osmar soubessem do estrago que fariam na música baiana com o invento do trio elétrico talvez não o tivessem feito. Coitado é do tio Dorival que assistiu a tudo mais de perto. Acho até que escolheu a longa estada em Itapoã por ficar bem longe dessa balbúrdia musical toda.

A mediocridade se espalhou junto com a internet, e nesse ponto ela atrapalhou mais do que ajudou. Consultem o conteúdo de boa parte dos blogs e se assustarão. São relatos pessoais banais e fúteis. Não bastasse isso veio o twitter, que se bem utilizado é uma ótima ferramenta pra empresas, publicitários e jornalistas – eu também o utilizo como fonte de informação. Mas, pra variar, virou um ponto de encontro de quem não dá valor algum ao próprio tempo, ocioso que seja. Cada qual escreve o que quer, do jeito que quer. E pra cada idiotice escrita há um outro idiota pra elogiar. Tornam-se assim populares, não pela qualidade do que escrevem, mas pela rede de bobalhões que conseguem criar. É uma forma rápida e eficiente de alimentar o ego socializando e disseminando a mediocridade.

Desde jovem recusava-me em ser comparado a um chipanzé ou pastor alemão. Meu intelecto foi parecido com eles até os 7 anos, depois fiz questão de destacar meus 2% de diferença nos genes, distanciando-me bastante dos colegas símios. Ainda não sei se é a ignorância que os torna tão similares aos nossos primos mais próximos – não muito distantes pelo que vejo – ou é esse comportamento simiesco de massa que os torna tão ignorantes. Mas, diante de tanto descalabro naqueles 50 minutos, felizmente, alguns poucos naquele recinto me davam alento, poucos. E talvez ainda exerça essa profissão por eles.

Não é difícil ouvir destes mesmos alunos, e de tantos outros que desconhecem o ambiente de sala de aula e os malabarismos que fazemos, que o nível baixo do seu aprendizado veio da péssima qualidade de seus professores ou da instituição onde estudaram. Será uma desculpa recorrente pelo comportamento desleixado que tiveram ao longo dos 4 ou 5 anos que passaram em sala de aula, ou melhor, vagando pelos corredores. Assumirão cargos medíocres ao longo da vida uma vez que se portaram como aprendizes medíocres; nada mais justo. Não é raro esbarrar com alunos na rua que soltam a velha frase: “professor, o mercado está tão difícil, não consigo arrumar emprego”. Ficar mudo é melhor a soltar um “bem feito!”.

O fato é que hoje me revoltei, me deprimi, tentando entender o comportamento de boa parte daquele povo – e vou publicar isso logo antes que a raiva passe. Acho que me deprimi por ser professor; por me sentir mais um adestrador que um agregador; por passar horas redigindo coisas, pensando em desenhos, esquemas, para tornar um assunto mais claro; por lutar pra tentar escutar o que deveria ser mais interessante a eles do que a mim naquela palestra; por ser ingênuo em achar que algo pode mudar; e por não ver futuro pra boa parte dessa nova geração. Felizes os que viveram a “geração coca-cola”, porque a “geração Google”, sinceramente, é um desperdício."

 Tarcísio A. Giesen